16/02/11



«A maioria dos cubanos apoia Fidel Castro. A única maneira de o fazer perder apoio é provocar uma situação económica difícil para que haja insatisfação e pobreza. Há que pôr em prática rapidamente todos os meios para debilitar a economia […] impedindo que Cuba receba dinheiro e bens essenciais. Devemos fazer com que os salários reais sejam baixos, e que a fome e o desespero levem à queda do governo.»
Memorando escrito pelo sub-secretário de Estado, Lester Mallory, a 6 de Abril de 1960

Com base nesse documento, o presidente norte-americano, John F. Kennedy, impôs um bloqueio económico, comercial e financeiro a Cuba, a 7 de Fevereiro de 1962. Passados quase 50 anos, essa política hostil, agressiva e contrária ao Direito Internacional mantém-se em vigor, apesar da condenação internacional ter vindo a aumentar. A Assembleia-Geral das Nações Unidas já votou 19 vezes! pelo levantamento do bloqueio imposto a Cuba pelos Estados Unidos da América.

Apesar dos sinais vindos da ONU serem encorajadores – dos 192 países membros apenas EUA e Israel defendem a manutenção do bloqueio – a verdade é que o cinismo da comunidade internacional permite que a Casa Branca continue a praticar uma política injusta, ilegal e com consequências graves para a população em áreas tão sensíveis como a saúde, alimentação e educação. Como as resoluções da Assembleia-Geral não são de cumprimento obrigatório, são apenas recomendações, os interesses particulares da América sobrepõem-se à vontade internacional.

A política agressiva dos vários presidentes americanos tem constituído um sério obstáculo ao desenvolvimento do país e dos sectores de maior impacto social. Segundo analistas económicos, o bloqueio pode ter custado ao povo cubano 751 mil milhões de dólares ao longo de quase 50 anos. 
Quem viajou por Cuba dá conta das enormes dificuldades sentidas pela população. É um facto que há pobreza, mas isso não se deve apenas à política socialista seguida por Fidel Castro. Não sendo um governo, nem uma sociedade perfeita, os cubanos sentem na pele o poder da política externa americana e o «pecado» do seu alinhamento à ex-União Soviética após o triunfo da revolução em 1959.

Barack Obama continua a ignorar as múltiplas declarações e propostas apresentadas por Cuba para estabelecer um diálogo sério, construtivo e em plano de igualdade com vista a pôr fim ao bloqueio. A autoridade moral da nação que afirma ser a mais democrata do Mundo está, afinal, inquinada pela vontade de tomar conta dos destinos de Cuba – o ex-presidente George Bush sempre defendeu a mudança de regime – e vergada ao poder do «lobby» de Cuba, constituído por exilados cubanos, com enorme influência política na Florida.
Trata-se do mais longo e duro bloqueio imposto a outro país, violando claramente o Direito Internacional, algo que os EUA são peritos. É altura de todos os Estados exigirem à administração norte-americana que termine com esta política de agressão e cumpra as obrigações impostas pela Carta das Nações Unidas. É tempo de Obama respeitar o povo cubano, e justificar o Prémio Nobel da Paz, que recebeu em 2009.

Poder americano asfixia Cuba

A política agressiva e o cerco económico montado pelos EUA tem consequências particularmente graves para a população. Apesar disso, os cubanos conseguem fintar a fome com um sorriso nos lábios e contornar as privações com grande humildade. Embora o bloqueio económico seja uma medida extra-territorial, que viola as elementares normas internacionais, a poderosa máquina americana continua a facturar à custa da desgraça alheia.

As sanções contra cidadãos e instituições de países que estabeleçam relações económicas, financeiras e técnico-científicas com Cuba não param de aumentar. Em 2009, as multas aplicadas pelas autoridades americanas superaram os 800 milhões de dólares. Com que direito o fizeram? Eis alguns exemplos da «ditadura» económica americana:

·    As empresas cubanas estão impedidas de fazer fusões ou alianças estratégicas com outras que tenham participação americana, o que reduz grandemente o seu espaço económico. A impossibilidade de ter acesso ao mercado americano obriga à utilização de intermediários, nomeadamente na Ásia, o que encarece o custo das mercadorias e aumenta o valor dos fretes e dos seguros de transporte.
·   Cuba não pode exportar e importar livremente produtos e serviços para ou dos Estados Unidos da América. Mas, curiosamente, o ex-presidente Bill Clinton tornou-se grande apreciador e consumidor dos famosos charutos cubanos...
·    As empresas cubanas não podem utilizar o dólar norte-americano nas transacções internacionais ou ter contas nessa divisa em bancos de terceiros países.
·    O governo cubano não pode recorrer ao crédito a bancos americanos e a instituições bancárias internacionais como o Banco Mundial e o FMI.
·    A União Suchel está impossibilitada de comprar no mercado americano matérias-primas para o fabrico de produtos como o sabonete, detergente e cremes

·    A Navegacion Caribe não conseguiu comprar peças sobressalentes e outros materiais necessários para reparar os seus navios, e teve que recorrer a mercados europeus.
·    A União Gráfica teve que adquirir matérias-primas em mercados asiáticos para produzir 16 milhões de cadernos diários para os alunos, tendo uma despesa adicional de 2 milhões de dólares.
·    Cuba está proibida de importar computadores fabricados pela Intel, Hewlett Packard ou IBM.
·    Os navios de terceiros países que toquem portos cubanos ou transportem mercadorias por conta de Cuba ficam impossibilitados de entrar nos portos americanos durante seis meses.
·     As subsidiárias norte-americanas que operam em terceiros países estão proibidas de fazer qualquer tipo de negócio com empresas em Cuba. Estão também proibidas de vender bens ou serviços, cuja tecnologia contenha mais de 10% de componentes americanos.

   · Os empresários de terceiros países que realizem  investimentos ou negócios em Cuba são penalizados, e é-lhes negado o visto de entrada nos Estados Unidos. Podem também ser alvo de acções legais perante os tribunais norte-americanos.
   · Um banco asiático comunicou que retiraria os cartões de crédito a funcionários da embaixada cubana nesse país em cumprimento das leis do bloqueio. Um banco europeu informou que não trabalhava com Cuba por estar incluída na lista de países patrocinadores do terrorismo elaborada pelo Departamento de Estado dos EUA.
   ·  Em 2009, o Escritório de Controlo de Activos  Estrangeiros (OFAC) multou o Credit Suisse Bank em 536 milhões de dólares por realizar transacções financeiras com Cuba. Esse mesmo escritório (?) aplicou uma multa de 35 mil dólares à Liberty International Holding Inc. por ter feito o seguro de um negócio realizado pelo governo cubano. Ainda em 2009, a Philips Electronics of North América Corporation foi multada em 128.750 dólares porque um empregado seu viajou para Cuba e vendeu equipamento médico de uma filial estrangeira.

Acto de genocídio

O bloqueio, pela sua natureza e dimensão, pode ser classificado à luz da Convenção de Genebra, de 1948, como um acto de genocídio. Há valores de ordem moral e social que estão a ser desrespeitados, causando graves danos à população cubana. É a mesma gente que recebe os estrangeiros de braços abertos, e integra as equipas médicas que prestam assistência perante  tragédias naturais, como aconteceu recentemente no Haiti.

     ·  A aquisição de medicamentos, reagentes e outro material médico tem de ser feita através de intermediários, o que aumenta o preço e o tempo de espera dos doentes, causando um sofrimento incalculável.
   
·    O Instituto de Oncologia está impossibilitado de utilizar lâminas de iodo radioactivo no tratamento de crianças e adultos com tumor da retina, uma vez que esse equipamento só pode ser comprado nos EUA. Segundo os especialistas, sem essa tecnologia não é possível tratar o tumor da retina.
·    Há jovens com problemas cardíacos que esperam por um «pacemaker», só que nenhum governo europeu arrisca vender esse equipamento a Cuba.

·    Cuba não tem acesso ao Temozolamide, medicamento destinado ao tratamento de tumores no sistema nervoso. Esta doença afecta anualmente 250 pacientes, dos quais 30 são crianças. Está, igualmente, negado o direito a adquirir contraste de iodo não iónico, que garante maior eficácia no diagnóstico de tumores.
·    A companhia ABBOT foi proibida de vender a Cuba o medicamento Sevofluorane, avançado agente anestésico de rápida indução para crianças, e excelente agente de protecção do miocárdio.
·    Às crianças é-lhes também negado o uso do dispositivo Amplatzer, de fabrico norte-americano, elaborado com materiais especiais para evitar a rejeição orgânica.
·    Os hospitais cubanos não conseguem adquirir o reagente Silane, destinado ao diagnóstico e tratamento de tumores malignos e outras doenças infecciosas.
·    O hospital Hermanos Ameijeiras, em Havana, não pode fazer estudos tomográficos a mais de 5000 pacientes devido ao incumprimento da Philips de fornecer peças de substituição para dois tomógrafos ópticos.

Atentado à cultura

A educação e cultura continuam a ser fortemente prejudicados pelo bloqueio. Também nestes sectores, a Administração Obama não está interessada em promover um contacto livre entre os dois países. É o próprio governo que impede os seus cidadãos de visitarem Cuba, os níveis de intercâmbio académico baixaram e as actividades de âmbito artístico, literário e cultural foram reduzidas. Mesmo assim, é surpreendente o nível cultural do povo cubano, mesmo das pessoas de maior idade.

Os efeitos do bloqueio traduzem-se em carências diárias que afectam o processo de aprendizagem, a investigação e o trabalho científico de estudantes e professores. Apesar disso, Cuba tem dos melhores médicos do Mundo, excelentes escritores, a escola de cinema é de grande gabarito e a música é (re)conhecida mundialmente. Todos cantam «el son cubano» para espantar os seus males... 
Aqui deixamos alguns exemplos do como sobrevive a educação e a cultura neste país:

·  Cuba não conseguiu comprar, nos EUA, equipamento para aulas de terapêutica para crianças com deficiências motoras no valor de 8.000 dólares, e acabou por adquirir esse material em outros mercados por 14.000 euros.
·    Os professores e alunos da Universidade de Havana têm os seus acessos à Internet limitados por fazê-lo de um sítio em Cuba. 
·   O Instituto Cubano de Arte e Indústria  Cinematográfica está impedido de participar em festivais  de  cinema realizados nos EUA. O bloqueio impede este instituto de se vincular a empresas norte-americanas responsáveis pela distribuição de publicidade nesta área.
·   Nos dois últimos anos, o governo norte-americano impediu a participação de numerosos cientistas e artistas em reuniões e eventos realizados em Cuba. Músicos de Jazz, a Orquestra Filarmónica de Nova Iorque e uma delegação de cientistas, que pretendia participar no Simpósio Internacional de Ventilação Mecânica e Circulação Sanguínea, foram impedidos de viajar para este país do Caribe.

Contra a ordem mundial

Apesar da pressão internacional, os Estados Unidos da América continuam a sua política ditatorial sobre Cuba. As deliberações da ONU para levantar o bloqueio passam ao lado do presidente Obama, que, em 2009, notificou o secretário de Estado e do Tesouro da seguinte forma: «É do interesse nacional manter as sanções económicas contra Cuba.» Passados 49 anos, os inquilinos da Casa Branca não evoluiram... apesar da oposição sem precedentes dentro e fora do país.

·   71% dos americanos defendem a normalização das relações entre os EUA e Cuba
·   67% dos americanos querem ter autorização para viajar até Cuba
·   64% dos cubanos residentes na Florida são contra a proibição de viajar para Cuba
·   51% dos americamos apoiam o fim do bloqueio contra Cuba
·   «Acreditamos que o embargo deve ser completamente levantado». Editorial do The New York Times - 18/4/2010
·   «O embargo não funcionou e as restrições a Cuba deviam ser levantadas», afirmou o ex-presidente Bill Clinton, em Miami - 17/4/2010
·  O Partido dos Verdes dos EUA qualificou o bloqueio como «uma violação dos direitos humanos e um obstáculo para a venda de alimentos e medicamentos a uma nação soberana, que não representa qualquer ameaça para os EUA» - 29/10/2009
·  A Assembleia-Geral da ONU votou por esmagadora maioria a seguinte resolução: «Necessidade de pôr fim ao bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba» - 28/10/2010
·   A Federação Americana do Trabalho, que agrupa mais de 50 organizações sindicais, qualificou o bloqueio como: «O mais duro jamais mantido pelos EUA contra qualquer país do Mundo» - 17/9/2009

·  «Não me parece inteligente a decisão de manter o embargo. Não negociaria com Castro nessa base. Simplesmente o levantaria» afirmou George Schultz, secretário de Estado na presidência de Ronald Reagan - 7/8/2009
·  «O bloqueio é um anacronismo da Guerra-Fria que se manteve pelos políticos da Florida. O senhor Obama tem que avançar mais e pressionar o Congresso para levantar o embargo». Editorial do The New York Times - 4/6/2009